Degustação de Chás gourmet e estilo de vida.

Diferença entre Chá Verde em Pó e Matcha
 
 

18/03/2013

Chá, Cerimônia e Tradição: Rússia (Parte 1)

Hoje começo a escrever sobre as tradições e cerimômias de chá em diferentes países onde esta bebida tem profundas ligações culturais. Como o assunto é extenso, iremos por partes, a começar pela Rússia.

Mesa posta para um típico chá russo. Imagem: espemporium.com

Um pouco de história

Apesar de terem "apenas" três séculos de tradição com a bebida, em média, 80% da população russa consome chás nos dias de hoje e ele já foi reconhecido como uma bebida nacional, considerado um item na cesta básica do país. Uma das versões da história, diz que tudo começou nos idos de 1600, quando os embaixadores Vasilii Starkov e Stepan Neverov trouxeram as folhas secas do chá, presente do governante da Mongólia, Altyn Khan. Não demorou muito para que a bebida fosse descoberta por toda a monarquia do país e a necessidade de se obtê-la fosse imediata.

 Os camelos de carga ao lado da Muralha da China

Tendo como vizinha a China (lugar original de onde vinham os chás), estabeleceu-se uma rota comercial (conhecida como Rota Siberiana, parte da Rota da Seda) entre ambos para que a Rússia pudesse receber, entre outros produtos, as folhas do chá. Apesar da distância parecer pouca visualmente, geograficamente o caminho era árduo: as caravanas de camelos carregavam chás de folhas soltas e compressadas (geralmente chás preto defumado e oolong) por aproximadamente 5 mil quilômetros de montanhas desérticas, enfrentando o frio da Sibéria e tendo como destino final Moscou. Cada jornada levava 16 meses para se completar e isso fez do chá um artigo acessível somente para a alta sociedade. Em 1800 quando a rota estava estabelecida e muitos acordos haviam sido feitos, as remessas de chás ficaram mais contínuas o os preços um pouco mais baixos - e que caíram mais ainda depois da construção da ferrovia Transiberiana. Foi somente depois de 1900 que a bebida finalmente se tornou popular para toda a nação.

Mapa entre Rússia (bege) e China (cinza, direita), atravessando a Mongólia (cinza meio) com a
Rota da Sibéria: em verde, a rota original do século 18 e em vermelho a do século 19. Fonte: Wikipedia


A tradição do Samovar

A Rússia, país extremamente frio, encontrou no chá o conforto de uma bebida forte e quente, que se tornou tradição de hospitalidade nas casas. Apesar de em seu início, o chá ser uma bebida extremamene elitizada pelo seu alto custo no mercado, os grandes escritores do tempo (Pushkin, Dostoevsky, Tolstoi, etc.) enraizaram essas tradições e costumes em suas obras, facilmente adotadas pela população comum, em busca de suas próprias raízes:

"(...) Tea was growing dark; upon the table, shining,
There hisses the evening samovar,
warning the Chinese teapot;
light vapor undulated under it.
Poured out by Olga's hand,
into the cups, in a dark stream,
the fragrant tea already ran,
and a footboy served the cream.(...)"
             - trecho traduzido para o inglês de Eugene Onegin por Aleksandr Pushkin em 1825

Os russos inventaram um sistema de preparo do chá diferente dos dias atuais, fazendo o uso de um concentrado da infusão que era diluído em água quente. Para tal cerimônia, eles possuíam utensílios próprios que conheceremos a seguir.

Utensílios russos para chá. Fotos: Wikipedia

O samovar (foto cima) virou o símbolo da tradição do chá no país simbolizando seu acolhimento e servindo-lhe de identidade, constantemente mencionado nas literaturas nacionais, como vimos acima. Era comum as pessoas se reunirem em volta de um samovar para tomarem chá e passarem seus momentos em comum (este ato de passar o tempo bebendo chá recebeu até uma definição, chainichat). Este utensílio possivelmente inventado pelos russos (sua origem é incerta), baseado em uma panela tibetana, era basicamente um repositório de água quente boa o bastante para 40 xícaras de chá! Feito de metal, o samovar possui uma torneira em sua parte mais baixa e por seu interior passa um cano que propaga calor contínuo, abastecido de algum combustível, podendo ser carvão, madeira, etc. (posteriormente, nos tempos modernos, também criaram a versão elétrica do samovar). Após a água do repositótio ser aquecida, podemos colocar a chaleira (chainik) no lugar da tampa do aquecedor, fazendo com que esta também se mantenha quente.

Os russo utilizavam copos de vidro para tomarem seu chá e foi criado o podstakannik ("segurador do copo de chá" - foto acima), que são os artefatos de metais onde encaixamos os copos para proteger a mão contra o calor da bebida. Nos dias atuais, xícaras e outras cerâmicas são mais comuns e utilizadas diariamente - a tradição russa para as cerâmicas do chá é a combinação de branco com azul cobalto e dourado. Tanto o podstakannik como o samovar foram transformados em obras de arte além da sua utilidade. Tula, cidade ao sul de Moscou, é a principal fabricante de samovares desde 1700.

"A Esposa do Comerciante" (1918) de Boris Kustodiev, retratando a mesa do chá russo

O chá preterido pelos russos sempre foi o preto e o modo de preparo do chá para a sua cerimônia se diferencia pois na chaleira é feito uma infusão super concentrada das folhas, chamada de zavarka. A idéia aqui é servir nas xícaras um pouco deste concentrado e completar com a água quente que está no samovar.  Ao contrário do costumeiro, eles deixavam as folhas dentro do bule o dia todo, escolhendo um tipo de chá que não ficasse tão amargo ao passar do dia (geralmente alguma variedade chinesa). E esse era o costume na época, deixar o samovar ligado por um bom tempo, podendo se obter uma xícara de chá bem quente a qualquer momento. Também poderia haver uma segunda chaleira com alguma infusão herbal como hortelã, para ser misturada ao chá preto, conforme o gosto (inclusive, antes da chegada do chá, os russos bebiam uma infusão de ervas chamada sbiten). Outros aditivos utilizados no chá eram limão em rodelas, açúcar, mel ou geléia (em tempos de guerra o açúcar ficara extremamente raro e adotou-se o uso de geléias) e até rum! Tanto o açúcar (em cubos) como os melados eram colocados diretamente na boca e dava-se um gole no chá. A mesa era completada com tortas, panquecas, bagels, biscoitos, frutas frescas e frutas secas, etc. e assim seguia a cerimônia russa para o chá, que poderia acontecer a qualquer momento do dia - o buffet russo era chamado de zakuska, onde todos os pratos a serem servidos eram colocados na mesa de uma vez.

[ leia o segundo artigo da série ]


* Este artigo é o fruto de um trabalho de pesquisa séria, que me toma bastante tempo e que faço com o maior prazer. Caso você queira reproduzí-lo na íntegra ou fazer alguma citação do seu conteúdo, por favor, entre em contato e nunca se esqueça de colocar os créditos para o meu site. Agradeço pela consideração.
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6 comentários:

  1. Tenho um samovar elétrico russo da década de 70, mas nunca usei direito. Amei a postagem, mal posso esperar pela segunda parte.
    Bjs

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    Respostas
    1. Débora que muito legal isso! Você bem que poderia tirar uma foto pra gente ver! Eu ia adorar! :-)
      Semana que vem tem a continuação, obrigada por dar uma passadinha aqui!
      Beijos,
      Yuri

      Excluir
  2. Oi, Yuri
    Adorei a mudança de visual do seu blog. Ficou muito lindo!
    A pesquisa sobre a história e tradições do chá está excelente. Estou à espera da continuação...
    Abraços.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Aline!
      Pode deixar que semana que vem tem mais, brigadão pela visita!
      Abraços,
      Yuri

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  3. Nossa Fiquei perplexo pela profundidade do assunto só quero registrar minha admiração pelo teu trabalho, e meus parabéns. ah e tenho uma duvida quando vou preparar, se coloco açúcar ou não, o que você me diz?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Rafael!
      Muito obrigada pela sua mensagem!
      Eu sempre sugiro não adicionar nada se você vai degustar um chá gourmet pela primeira vez. Se não for uma degustação e sim um chá informal ou corriqueiro, adicione tudo o que você preferir, não há regras!
      Abraços!
      Yuri

      Excluir

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